Usamos todos a ilusão
de fabricar a vida:
histórias, constelações
de sons e gestos
Usamos todos a suprema glória
do amor: por generosidade
ou fantasia, ou nada, que de nada se fazem
universos
Usamos todos mil chapéus de bicos
mal recortados e de encontro
ao sol:
o nosso mais perfeito em franja e bico
e um arremedo tal e seiscentista
que ofuscando-se: O sol
Usamos todos esta condição
de pó de vento, ou de rio
sem pé: único dom de fabricar o tempo
em raiz de palmeira
ou de cipreste
de Ana Luísa Amaral in «Se fosse um intervalo»
terça-feira, 29 de setembro de 2009
segunda-feira, 28 de setembro de 2009
Conceito para poema Opus 3.7
À minha mão esquerda dorida
Porque é que a artrite, uma doença de desgaste,
te atacou, quando a direita, o teu par e avesso,
fez o seu trabalho? Ah, sim - acho que no golfe
apertaste o taco com força de mais, e à noite,
para me adormecer em amor, obriguei-te a apertar
o meu duro membro íntimo, enquanto sonhava
copular com uma senhora imaginada,
vagamente insegura, cujas prendas devidas
abririam caminho à sonolenta calma.
De dia, fazendo força contrária, agarraste o frasco,
cuja tampa teimosa resistia à força toda dos meus
dedos, e ajudaste a levantar rochas e livros de arte;
mesmo assim, foste a irmã preguiçosa, enquanto
a irmã dextra apertou mãos e mãos, levantou
toneladas de comida no garfo e levou a colher
até à minha boca e escreveu milhas e linhas,
incluindo estas. É verdade, se fizeste a limpeza
no outro extremo, por alguma ancestral
delegação instintiva de trabalho manual,
mas foi isso trabalho ou prazer indizível?
Reconheço que, por alguma anomalia
de desígnio da sorte, o teclado Remington
e os seus sucesores, processadores de texto, postos
nas nossas mãos, decidiram que um número de
teclas mais batidas - a, s, e, e, w - ficassem
à esquerda, para os dedos menores:
muita gralha jorrou, e uma tensão sentida
pelos dedos; ainda assim, é isso agora causa
de colapso? Ou pode a causa ser a culpa -
a tua culpa, mão esquerda, por seres sinistra?
Embora uses uma aliança de ouro,
nunca foste elevada em juramento,
nem ergueste uma tocha ou puxaste um gatilho
ou apontaste uma estrela ou cidade sobre um monte.
Por isso, sofre, se tiver de ser, mesmo parte de mim -
Caim, como criança enjeitada, exigindo atenção
há muito recusada. Neste tempo tão escasso
que nos resta, ajuda-me a bater palmas, a rezar,
e mantém-te fiel. Mesmo dorida, eu não passo sem ti.
de John Updike in «Ponto último e outros poemas», tradução de Ana Luísa Amaral
te atacou, quando a direita, o teu par e avesso,
fez o seu trabalho? Ah, sim - acho que no golfe
apertaste o taco com força de mais, e à noite,
para me adormecer em amor, obriguei-te a apertar
o meu duro membro íntimo, enquanto sonhava
copular com uma senhora imaginada,
vagamente insegura, cujas prendas devidas
abririam caminho à sonolenta calma.
De dia, fazendo força contrária, agarraste o frasco,
cuja tampa teimosa resistia à força toda dos meus
dedos, e ajudaste a levantar rochas e livros de arte;
mesmo assim, foste a irmã preguiçosa, enquanto
a irmã dextra apertou mãos e mãos, levantou
toneladas de comida no garfo e levou a colher
até à minha boca e escreveu milhas e linhas,
incluindo estas. É verdade, se fizeste a limpeza
no outro extremo, por alguma ancestral
delegação instintiva de trabalho manual,
mas foi isso trabalho ou prazer indizível?
Reconheço que, por alguma anomalia
de desígnio da sorte, o teclado Remington
e os seus sucesores, processadores de texto, postos
nas nossas mãos, decidiram que um número de
teclas mais batidas - a, s, e, e, w - ficassem
à esquerda, para os dedos menores:
muita gralha jorrou, e uma tensão sentida
pelos dedos; ainda assim, é isso agora causa
de colapso? Ou pode a causa ser a culpa -
a tua culpa, mão esquerda, por seres sinistra?
Embora uses uma aliança de ouro,
nunca foste elevada em juramento,
nem ergueste uma tocha ou puxaste um gatilho
ou apontaste uma estrela ou cidade sobre um monte.
Por isso, sofre, se tiver de ser, mesmo parte de mim -
Caim, como criança enjeitada, exigindo atenção
há muito recusada. Neste tempo tão escasso
que nos resta, ajuda-me a bater palmas, a rezar,
e mantém-te fiel. Mesmo dorida, eu não passo sem ti.
de John Updike in «Ponto último e outros poemas», tradução de Ana Luísa Amaral
terça-feira, 1 de setembro de 2009
Alfarrabista
Hoje comprei um livro de Raul de Carvalho
por um euro, o que considero um escândalo!
Os poetas, regra geral, sempre foram pobres,
mas a sua poesia vale muito mais do que
o peso de mil resmas de rouxinol em oiro.
Isto, evidentemente, pouca gente sabe.
Se muita gente soubesse
os poetas seriam todos ricos.
de António Barahona in «Telhados de Vidro nº12, maio, 2009»
por um euro, o que considero um escândalo!
Os poetas, regra geral, sempre foram pobres,
mas a sua poesia vale muito mais do que
o peso de mil resmas de rouxinol em oiro.
Isto, evidentemente, pouca gente sabe.
Se muita gente soubesse
os poetas seriam todos ricos.
de António Barahona in «Telhados de Vidro nº12, maio, 2009»
Poética Simbo-hermética
Nas manhãs de Fevereiro
A poética adormece no colo de medíocres pintores de frutos geniais
Enquanto os músicos inspiram o abafado transpirar do seu sono.
Dorme poética sobre os mantos rasgados
Que cheiram a suor moribundo misturado com baratos desodorizantes.
O pão é algo pobre, engorda e produz varizes.
Poética procura os códigos do saber antigo
Distribui caduceus pelos ricos e se puderes enfia-os pelos seus culós a cima
Para que da ignorância nasça o mecenato.
Me acenas com os dedos ao longe ou
Dormes ao longe ou dormes no meu colo…
Por vezes, o sol bate-te na cara e tu poética
Espelhas na minha alma os códigos psíquicos da minha ignorância.
Recupera orações perdidas que deixamos de proferir
Recorda-me os ritos ancestrais da menstruação do mundo
E grita comigo: «Eli Eli Lama sabachthani».
Sabáticos deuses de púrpuras faces de falos hirtos em aço.
Smirnoff para todos – Poética das massas, como o sexo
E o dinheiro que pode tudo:
Comprar o outro, Deus e o Diabo
Subornar os inspectores das cartas de condução: Cérbero.
Cérebros de génios são esses que sem poética fazem com o engano
Distintos amigos Baalianos.
Poética dorme sempre que poderes em meu colo
Esconder-te-ei os caminhos em segredo
Do teu regresso todas as manhãs.
O nevoeiro – não! Nevoeiro não é necessário
Nem num país de sal com memórias ocas.
Poética dorme. Dorme.
Dorme e quando acordares acorda para todo um adormecido país
Onde nem Sócrates nem Cristo puseram cá os pés!
Reler ao som de vidrificadas Facades, após 2 minutos!
22-09-09
A poética adormece no colo de medíocres pintores de frutos geniais
Enquanto os músicos inspiram o abafado transpirar do seu sono.
Dorme poética sobre os mantos rasgados
Que cheiram a suor moribundo misturado com baratos desodorizantes.
O pão é algo pobre, engorda e produz varizes.
Poética procura os códigos do saber antigo
Distribui caduceus pelos ricos e se puderes enfia-os pelos seus culós a cima
Para que da ignorância nasça o mecenato.
Me acenas com os dedos ao longe ou
Dormes ao longe ou dormes no meu colo…
Por vezes, o sol bate-te na cara e tu poética
Espelhas na minha alma os códigos psíquicos da minha ignorância.
Recupera orações perdidas que deixamos de proferir
Recorda-me os ritos ancestrais da menstruação do mundo
E grita comigo: «Eli Eli Lama sabachthani».
Sabáticos deuses de púrpuras faces de falos hirtos em aço.
Smirnoff para todos – Poética das massas, como o sexo
E o dinheiro que pode tudo:
Comprar o outro, Deus e o Diabo
Subornar os inspectores das cartas de condução: Cérbero.
Cérebros de génios são esses que sem poética fazem com o engano
Distintos amigos Baalianos.
Poética dorme sempre que poderes em meu colo
Esconder-te-ei os caminhos em segredo
Do teu regresso todas as manhãs.
O nevoeiro – não! Nevoeiro não é necessário
Nem num país de sal com memórias ocas.
Poética dorme. Dorme.
Dorme e quando acordares acorda para todo um adormecido país
Onde nem Sócrates nem Cristo puseram cá os pés!
Reler ao som de vidrificadas Facades, após 2 minutos!
22-09-09
Subscrever:
Mensagens (Atom)