segunda-feira, 28 de setembro de 2009

À minha mão esquerda dorida

Porque é que a artrite, uma doença de desgaste,
te atacou, quando a direita, o teu par e avesso,
fez o seu trabalho? Ah, sim - acho que no golfe
apertaste o taco com força de mais, e à noite,
para me adormecer em amor, obriguei-te a apertar
o meu duro membro íntimo, enquanto sonhava
copular com uma senhora imaginada,
vagamente insegura, cujas prendas devidas
abririam caminho à sonolenta calma.

De dia, fazendo força contrária, agarraste o frasco,
cuja tampa teimosa resistia à força toda dos meus
dedos, e ajudaste a levantar rochas e livros de arte;
mesmo assim, foste a irmã preguiçosa, enquanto
a irmã dextra apertou mãos e mãos, levantou
toneladas de comida no garfo e levou a colher
até à minha boca e escreveu milhas e linhas,
incluindo estas. É verdade, se fizeste a limpeza
no outro extremo, por alguma ancestral
delegação instintiva de trabalho manual,
mas foi isso trabalho ou prazer indizível?

Reconheço que, por alguma anomalia
de desígnio da sorte, o teclado Remington
e os seus sucesores, processadores de texto, postos
nas nossas mãos, decidiram que um número de
teclas mais batidas - a, s, e, e, w - ficassem
à esquerda, para os dedos menores:
muita gralha jorrou, e uma tensão sentida
pelos dedos; ainda assim, é isso agora causa
de colapso? Ou pode a causa ser a culpa -
a tua culpa, mão esquerda, por seres sinistra?

Embora uses uma aliança de ouro,
nunca foste elevada em juramento,
nem ergueste uma tocha ou puxaste um gatilho
ou apontaste uma estrela ou cidade sobre um monte.
Por isso, sofre, se tiver de ser, mesmo parte de mim -
Caim, como criança enjeitada, exigindo atenção
há muito recusada. Neste tempo tão escasso
que nos resta, ajuda-me a bater palmas, a rezar,
e mantém-te fiel. Mesmo dorida, eu não passo sem ti.


de John Updike in «Ponto último e outros poemas», tradução de Ana Luísa Amaral

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