segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Crucificação



2008

A Plenitude

Serenos sãos os raios frios do sol
que inscrevem sobre os meus olhos
a petrefacta realidade do vazio
onde sentado em pilhas de recordações
posso serenamente escrever
o abismo em que
habito

E serenamente vejo derreter o tempo



Walter Stöhrer - «Memory of Italy» 1993

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Poetas Neuróticos

Mexicanos com medo de água

lembram-nos a sujidade do mau cheiro

e Amigos intímos de (lésbicos) neuróticos

pré-indefenidos

Monstros esguios

desconexões orais

difunções e um mundo de

maldade descabida mal articulada.



Surgem como cogumelos:

Massacres de hipermercados

orgias celestres

holocaustros descabidos

virgens violadas

espermas em bocas limpas

um saco onde todas palavras têm direito

a penetrar noutras palavras

Deixando o Humanismo de fora.



Na verdade

o desejo destes poetas neuróticos é unicamente

ter a capacidade de esporrar livremente

sem que as suas mães delimitem as gramas a esporrar.



a atrofia tripla neste poema neurótico

é unicamente o desejo de três putas desesperadas

em atingir o clitóris da Poesia.



Afastemo-nos do delirio total e criemos Poesia

poesia que saiba Unir e não desunir

Aquela que vive do sangue do outro e não de

externos umbigos.


Vendem-se certificados de poetas (neuróticos e afins)

na Rua da Constituição sábados das 15 às 20.


quarta-feira, 18 de novembro de 2009

É importante foder (ou não foder)?


É importante foder (ou não foder)?

É evidente que não, não é importante.

Fode quem fode e não fode quem não quer.

Com isso ninguém tem nada

Mas mesmo nada

A ver.


O que um tanto me tolhe é não poder confiar

Numa coisa que estica e depois encolhe,

Uma coisa que é mole e se põe a endurar e

A dilatar a dilatar

Até não se poder nem deixar andar

Para depois se sumir

E dar vontade de rir e d'ir urinar.


Isso eu o quiz dizer naquele verso louco que tenho ao pé:

«O amor é um sono que chega para o pouco ser que se é»

Verso que, como sempre, terá ficado por perceber (por

mim até).


........................................................................................


Também aquela do «outrora-agora» e do «ah poder ser tu

sendo eu» foi um bom trabalho

Para continuar tudo co'a cara de caralho

Que todos já tinham e vão continuar a ter

Antes durante e depois de morrer.



de Mário Cesariny de Vasconcelos in « O virgem Negra - Fernando Pessoa explicado às criancinhas Naturais e Estrangeiras» 1989

O Senhor Cogito Lê o jornal


Na primeira página
a notícia do massacre de 120 soldados

a guerra dura já há muito
as pessoas aostumam-se

mesmo ao lado outra notícia
um crime sensacional
com retrato do assassino

o olhar do Senhor Cogito
salta indiferente
da chacina dos soldados
para mergulhar om deleite
no macabro do quotidiano

um trabalhador rural com cerca de trinta anos
com uma depressão profunda
matou a mulher
e os dois filhos pequenos

desrevem om precisão
como crime foi cometido
a posição dos corpos
e outros detalhes

aos 120 que caíram em combate
é inútil procurá-los no mapa
a excessiva distância
oculta-os como uma floresta

não estimulam a imaginação
são demasiados
o número zero no final
transforma-os numa abstracção

um tema para meditar
a aritmética da compaixão.

de Zbigniew Herbert, in «Escolhido pelas estrelas» versões de Jorge de Sousa Braga

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

STRZEMINSKI

«Já é tempo de rever o conceito de abundância»
W. Strzeminski


Prenunciamos-te ocamente
como ovos chocos de uma qualquer
galinha de Varsóvia.
Reles criaturas nós, que com
inglórios louvores te enchemos a campa.
Unismos irmãos e com lápis
ou dedos saibamos delicadamente criar
pontos
onde possamos neles deixar fluir
a pureza mais simples.
Se esqueceres-te de criar o primeiro
passa em frente e quando chegares ao quinto elemento
Pára!

E em teu redor unismo-emos
os nossos esforços para fazer-te
sorrir um minuto
para a débil fotografia a preto e branco.


Desenho de: Wladyslaw Strzeminski «Untitled (+ drawing, verso)», 1949.

Blues para um Funeral

Parem os relógios, desliguem os telefones,
Não deixem o cão ladrar ao ver os ossos.
Mantenham os pianos fechados e batam em tambores,
tragam o caixão, e a segui-lo o cortejo fúnebre.

Que o avião circule sobre nós em sinal de luto
esrevendo com fumo no céu: Ele morreu,
Enfeitem com laços as pombas da cidade,
E aos polícias de trânsito ponham luvas pretas de algodão

Ele era o meu Norte, o meu Sul, o meu Este e Oeste,
A minha semana de trabalho, a folga de domingo,
O meu dia e noite, a minha conversa e a minha canção.
Pansei que o Amor era Eterno: enganei-me.

As estrelas não são precisas: apaguem-nas todas,
Embrulhem a lua e escondam o sol,
Esvaziem o oeano e varram a floresta,
porque o que resta não vale a pena.

de W. H. AUDEN


(um poema inesquecível)

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Baphomet Tatuado

Não creio que estejas sentado
pelo menos da forma com que te retratou Levi
Era tarde e hoje vi-te deitado na relva
enquanto sobre ti dormiam moças excitadas
os teus chifres eram de prata
e em tuas pernas o caduceu era dourado.

Quero-te tatuado na minha inocente pele
para que me contamines o espírito
e sob a tua lei reinar por cima do bem.

quero-te tatuado em tinta invisível
para que por ela possa ver o mundo
com a ironia dos cínicos.

Baphomet
Baphomet
Baphomet
investe sobre mim tua investidura
porque outras falharam sobre mim!

Usa a minha inocência - tua nova morada
e cria-me à tua e frontal imagem!

Intrinseca carne

Do sonho que os dias trituraram
resta-nos a ambição de neles inspirar
ainda esse ar poluído
As nuvens cinzentas carregadas de mortas ilusões
chocam contra pássaros clonados
com caudas azuis porque de azul a lealdade existe
e no existir morde-nos os olhos o céu

Intrometidas palavras de cal
que aspiramos repintar nuvens e de caudas reinventar o céu

serão os sonhos eternas clonagens do vazio
ou apenas estão longe os teus olhos verdes
sendo o mar a nossa intrinseca carne

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

O Interregno


Ao anónimo boy de Matosinhos

As minhas mãos já não cheiram a sangue da minha dor
Esperam apenas
Que depois do interregno possam outra vez
Lavar-te os cabelos em cascatas de champanhe
E apanhar-te os frutos mais doces onde não chega o teu corpo

Que posso fazer para romper essas escuras horas
(a noite)
Não posso escrever o teu nome em minhas palmas brancas
(o rio)
Que posso deixar de sorrir e de dizer foge
(o caminho)
Como posso conter tuas mãos frias nas minhas
(as mãos)
Onde meus dedos criarão nós com teus dedos
(o toque)
E em teus olhos atirar-me-ei no vazio desse teu denso mundo que teimas a deixar-me de fora
(o sonho)

Deixa esse vazio e contigo
Sairei do interregno que habito
Destruirei as torres de papel em meu redor
E em caminhos que de terra o não são
Iluminarei as pegadas do meu desejo
Que guiar-te-ão ao êxtase
da morte no Amor
Quando já o teu corpo fundir no meu.

E sorrirei como hoje
Por ouvir Anthony
Com a constante ausência da tua mão
Reina a serenidade
E a ferida de Doris Salveco que me vincaste!



ler ao som de Anthony: http://www.youtube.com/watch?v=iIQ6agSWgto&feature=related

Pedido

Pai dos deuses e tu Hermes meu patrono
esqueci-me de te pedir - e agora é tarde -
um dom sublime
e envergonhado como uma oração
de ter a pele lisa o cabelo espesso as pálpebras em amêndoa

sucede
que a minha vida inteira
não deixou vestígios
na caixa de recordações
da condessa Popescu
aquela onde se pode ver um pastor
que na orla de um carvalhal
faz sair da sua flauta
péolas de ar

a desordem reina lá dentro
um colchete
o velho relógio do pai
um anel sem a pedra
um binóculo da marinha
letras secas
uma inscrição dourada num copo
elogiando as águas de Marienbad
um pau de lacre
um lenço de cambraia branca
sinal de rendição da cidadela
um pouco de bolor
um pouco de bruma

Pai dos deuses e tu Hermes meu patrono
esqueci-me de te pedir
manhãs meios-dias noites fúteis sem importância
só um pouco de alma
só um pouco de consciência
uma cabeça leve

e um modo de andar dançante

de Zbigniew Herbert in «Escolhido pelas estrelas» versão Jorge de Sousa Braga

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Miguel Bombarda #1 (Selecção)



de PIO SILVA



de CARLOS NORONHA FEIO



de JOÃO FRANCISCO «Sem título - o diorama. óleo sobre tela.



de JOÃO FRANCISCO - Sem título - Les barricades mistérieuses - para F. Couperin", 2008

E AINDA: Mafalda Santos; Pedro Tropa; Pedro Constantino e Julia Pintão

Mike Kelley



Horizontal Tracking Shot of a Cross Section of Trauma Rooms, 2009

Gorky's Studio, 2009




de Dexter Dalwood

A Sepultura

Talvez um cristão preocupado com sua alma
Enterre teu corpo de fama
Por detrás de uma lixeira
Numa noite pesada de sombras

Nessa hora
As estrelas castas fecham suas pestanas

No teu caixão
A vibora víboras dá
E teias tece a aranha

Na tua cabeça de condenado
Os lobos uivam lamentos
Bruxas famélicas acompanham
Velhos sem vergonha batem punhetas
E negros malandrins urdem artimanhas
No tempo todo que deus te dará

de Charles Baudelaire in «As Flores do Mal»