sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Não sou daqui. Mamei em peitos oceânicos

VIII

Não sou daqui. Mamei em peitos oceânicos
Minha mãe era ninfa meu pai chuva de lava
mestiça de onda e de enxofres vulcânicos
Sou de mim mesma pomba húmida e brava.

De mim mesma e de vós, ó capitães trigueiros
barbeados pelo sol penteados pela bruma!
Que extraístes do ar dessa coisa nenhuma
A génese a pluma do meu país natal.

Não sou daqui das praias da tristeza
do insone jardim dos glaciares
levai minha nudez minha beleza
e colocai-a à sombra dos palmares.

Não sou daqui. A minha pátria não é esta
Bússola quebrada dos impulsos.
sou rápida Sou solta Talvez nuvem
Nuvens minhas irmãs que me argolais os pulsos!
Tomai os meus cabelos Levai-os para a floresta.

É lá que o meu amigo pastor de estrelas pasce
O marulho das folhas com pássaros nas vozes
O sol adormecido nos braços da giesta
A manhã rarefeita na corrida do alce
O luar orbitado no salto da gazela
Os animais velozes do sítio onde se nasce...

Levai-me, peixes da minha pele itinerante!
Quero ir à pesca colher no espelho da laguna
O lírio da nudez a perdida inocência
O coração do bosque a dar-se sem penumbra
visto através da minha transparência.

Levai-me, ó minhas mãos branco exílio de ramos!
meus dedos virtuais folhas de palma!
Sois os órgãos sensíveis da choupana
Onde quero deitar a minha alma.

Levai-me, olhos meus implícitas montanhas
Florescência de cumes para poisarem águias!

Quero ter pensamentos que me cheirem a lenha
esfregar o espírito em plantas aromáticas
uma alma com pétalas guerrilheiras selvagens

Abertas a uma luta de prata verdadeira
Uma alma que sej verde que tenha asas
E dance nua para os deuses da fogueira...

jogai, jogo do arc laço azul infância coisas
que o desencanto confisca e abandona na cave!
como uma criança joga papagaio jogai
Este farrapo de ânsia poeira da cidade
onde ninguém tem pressa de ser ave;

E tu, anjo de pedra do meu grito! Anjo
esculpindo em pranto seco! Anjo enxuto!
Tu que me afogas o olhar no infinito
e as mãos no lodo dum gesto irresoluto

tece, ó arranha de luz no esconso da garganta!
coração de andorinha estrangulada!
O luar o jardim a cigarra que canta
O leito de verdura para eu me dar à esperança,
rosa que aspiro num esquivo vão de escada.

de Natália Correia

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